Este artigo acompanha o processo de produção de Passajar, um projeto de teatro imersivo gerado colaborativamente entre quatro criadores artísticos (teatro, dança e música) e vários refugiados do Congo, do Irão, do Iraque, da Síria e do Zimbabué. Desenvolvido sob a curadoria da coreógrafa portuguesa Madalena Victorino para o Festival Todos em Lisboa, esta produção experimental e multilingue centrou-se na apresentação de experiências dos migrantes através de uma perspectiva pós-dramática. Deste modo, a produção recusou formas de teatro de testemunho bem como o papel contraditório de facilitadores, para optar por uma prática estética ficcional e multidimensional.
Neste artigo, os autores exploram as formas como a performance e processos dramatúrgicos de Passajar abordam a diferença na prática teatral; e que efeitos estéticos e éticos são gerados ao longo do trabalho criativo com refugiados. À semelhança de um número crescente de iniciativas teatrais não-documentais sobre migração, Passajar alterna entre o real e o fictício através de representações não-realistas e processos de abstração. Poderá argumentar-se que tal prática contraria as narrativas de vitimização, mas será que ao suspender os meios tradicionais de identificação e de empatia esta performance ajudou a desenvolver novos entendimentos sobre a migração ou, pelo contrário, gerou um distanciamento para com os espetadores? Quais são as consequências éticas para o público e para os refugiados que nela participaram?
Inspirado em conceitos filosóficos delineados por Henri Bergson, Baruch Spinoza e Gilles Deleuze, o artigo examina como essas contribuições críticas podem enriquecer uma discussão sobre as dramaturgias da alteridade e da empatia que foram despoletadas pela performance de Passajar. Ao refletir sobre o processo dos ensaios e a produção final, revelam-se os efeitos éticos de Passajar, assim como alternativas transformadoras para a representação dos migrantes, dentro e fora do palco.